Timothy Keller chamou a Epístola aos gálatas de “dinamite”.
De fato, ela deve ter sido um estouro quando foi
lida naquelas igrejas ameaçadas por forte heresia, como também o foi quando
Lutero a redescobriu e a ensinou e pregou com intensidade nos tempos igualmente
corrompidos doutrinariamente no final da idade média.
Curiosamente Lutero tinham um apreço
tremendo pela carta aos gálatas, a ponto de compará-la com sua própria esposa.
Ele a chamava de “minha própria pequena epístola”, “minha Katie Von Bora” (o
nome de sua esposa).
Gálatas,
juntamente com Tessalonicenses, tem sido considerada uma primeiras cartas que o
apóstolo escreveu e também uma das mais importantes (junto com Romanos). A
antiguidade desta carta combina com o fato de que Paulo pregou naquela região
justo em sua primeira viagem missionária (Atos 13).

Observem que, conforme Lucas em Atos
e o mapa, há duas Antioquias, a primeira é a Antioquia da Síria, onde os
seguidores do “caminho” foram, pela primeira vez chamados "cristãos" e a
igreja se tornou um centro missionário. Foram eles quem, após orarem e
jejuarem, enviaram Barnabé em Saulo para a Missão que Deus indicara.
O nosso propósito
hoje é observar alguns detalhes gerais relacionados a data, ocasião, e,
especialmente, o tema da carta aos gálatas.
O SURGIMENTO DA IGREJA
Se Cornélio pode ser considerado o
primeiro convertido gentio, em um tipo de cumprimento da expansão do Reino de
Deus ao gentios, como previa o AT. As igrejas da Galácia, junto com a congregação
de Antioquia da Síria, podem ser consideradas as primeiras comunidades cristãs predominantemente
gentílicas (ainda que, como veremos, muito provavelmente havia judeus crentes
também entre eles).
Pois foi justamente nesta região (precisamente
em Antioquia da Psídia) que, de modo formal, Paulo expandiu seu ministério aos gentios
em face da rejeição pelos judeus.
Conforme Lucas, Paulo e Barnabé foram
à sinagoga, pregaram ali em alguns sábados; a princípio foram até bem aceitos,
mas parece que a própria atração que a mensagem do evangelho causou provocou o
ciúmes e a rejeição dos judeus (talvez eles também achassem aqui que o
evangelho era só para eles).
O fato é que diante da oposição,
Paulo e Barnabé “volveram para os gentios” (13.46); os gentios ficaram felizes
com este direcionamento e, conforme Lucas,
“creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (v. 48)
e ainda acrescenta que “a palavra do Senhor foi divulgada por toda aquela
região.”
Foi ali também que Paulo já começou a
sofrer por causa do evangelho e foi expulso da cidade, juntamente com Barnabé.
Mas a semente do evangelho foi plantada e frutificou.
Podemos concluir disso, que assim surgiram as
igrejas da Galácia para quem Paulo dirigiu aquela que seria, provavelmente, sua
primeira carta. A preciosa e contundente carta “aos Gálatas”. Vale também
destacar que esta é a única carta de Paulo destinada, literalmente, a mais de uma
igreja.
A OCASIÃO DA CARTA
Quero aproveitar aqui para apontar
que nem mesmo os mais críticos tem coragem de duvidar da autoria paulina da
carta (a mais bem comprovada); Ela foi escrita por volta do ano 48, visto que
há um consenso de que ela foi escrita antes do primeiro Concílio da Igreja em
Jerusalém, que definiu a questão dos gentios na igreja (se Paulo tivesse
escrito depois disso, seria bastante sensato ele citar as decisões do
concílio). Como Paulo deve ter sido convertido em 32 ou 33, ele teve cerca de
15 anos de preparação para suas viagens e para escrever suas epístolas, sendo
Gálatas a primeira.
Ao
que tudo indica, não muito depois de Paulo ter pregado ali, a igreja foi
invadida por um grupo que contrariava o apóstolo e pregava o que ele chamou de
“outro evangelho”, tão séria era a distorção que eles propunham. Daí que Paulo,
ao retornar desta primeira investida no mundo gentílico para prestar relatório
à igreja que o enviara, deve ter sido informado dos ocorridos nas igrejas da
Galácia e, assim, elaborou aquela que tem sido chamada de “o grito de guerra da
reforma” ou “a declaração de independência do cristão” e, ainda, a grande
aurora da liberdade religiosa” (conforme Hendriksen). Mesmo sendo “mortal”,
entendi que todas essas coisas são frutos do que podemos chamar de “Defesa da
Cruz”, belamente articulada pelo apóstolo inspirado.
JUDAIZANTES: O PROBLEMA.
Convencionou-se que judaizantes era
um grupo de judeus crentes que começaram a ensinar na igreja que, além de crer
em Jesus e em sua obra, as pessoas precisavam se submeter à Lei de Moisés para
serem salvas, com ênfase naquelas práticas cerimoniais relacionadas à Antiga
Aliança, tais como: circuncisão, guarda do sábado e dieta de alimentos.
“Debaixo da lei” é o modo como Paulo diz que eles viviam e queriam obrigar os
crentes gentios a viverem.
Segundo os adeptos desta teoria, todo
crente (mesmo sendo gentio) deveria seguir as mesmas ordenanças dos judeus: ser
circuncidado, guardar o sábado e não comer certos alimentos, para citar as
principais.
Conforme defende na carta, quando
Paulo pregou para aquelas pessoas ele deixou clara a insuficiência da Lei e a
exclusividade da fé em Jesus para a justificação e salvação (At. 13.39). Mas como Paulo não simplesmente “plantava igrejas”, ele também fazia
discípulos e supervisionava a obra, como bom “presbítero” que era, não poderia
deixar barato tamanha afronta ao Evangelho da Graça.
Por conta do seu legalismo (e
maldade, naturalmente), eles criticavam Paulo, questionando se ele realmente
era apóstolo (comparando-o com os outros onze que estiveram com Jesus); eles também
diziam que o evangelho de Paulo era incompleto e, ainda, insinuavam que Paulo
pregava ou, pelo menos, conduzia as pessoas à imoralidade, visto que diziam que
Paulo abrira mão da lei (Enciclopédia da Bíblia-Gálatas).(em Romanos,
inclusive, Paulo prevê o ataque deles como se dissessem: “permaneceremos no
pecado para que a graça seja mais abundante?”, Rm. 6.1).
Como os judeus antes, eles
enfatizavam bastante a circuncisão, o que conduziu Paulo até a ironiza-los,
enquanto os repreendia (Gl. 5.12).
Havia o grande risco de a igreja,
logo no início, ser contaminada por uma heresia das mais perniciosas que
corrompesse o evangelho de Cristo. Vale ressaltar que, desde sempre, o
legalismo é bastante atrativo, já que, de uma certa forma, ele produz algum
tipo de alívio, satisfazendo ao ego humano, enquanto as pessoas enganam a si
próprias e tentam enganar a Deus. Além disso, o principal é que confiar nas
próprias obras faz com que se perca Jesus de vista. Sem ele, conforme Paulo,
“da graça decaímos”- Gl. 5.4 (e isto não tem nada a ver com “arminianismo”),
como se pode imaginar superficialmente).
UMA DEFESA DA CRUZ
Um estudo mais técnico (e também mais
difícil sobre gálatas) faz uma contribuição interessante que nos mostra a
seriedade e relevância do assunto desta impactante epístola. O estudo diz que
em Gálatas nós temos um tipo de “conteúdo forense/deliberativo”, que é o uso de
expressões e palavras comuns a tribunais; um deles é a própria palavra
“justificação” (que é aquela famosa declaração que atesta a inocência de alguém
com respeito a algum crime). Aliás, Paulo não só defende o Evangelho da Graça
que pregara até com sacrifício naquelas regiões, como se estivesse em um
tribunal, mas, de fato no cerne do evangelho (como nos ensinou Lutero), está
aquele “artigo pelo qual a igreja permanece de pé ou cai”, qual seja a doutrina
da justificação somente pela fé, uma palavra comum nos tribunais daqueles dias.
Diante disso e do fato de que o
próprio Paulo chama o evangelho que ele pregava de “mensagem de cruz”, podemos
dizer que nós temos nesta carta uma “defesa da cruz”, elaborada por um bom
advogado (diga-se de passagem, o melhor, se considerarmos quem fala através de
Paulo).
Mais à frente, veremos em mais detalhes, mas vale a pena pelo menos
citarmos hoje que o que Paulo defende aqui é:
a) O evangelho: as boas novas da
salvação tão somente em Cristo Jesus
b) A fé (1.23): a única coisa
realmente necessária diante do fato de que Jesus fez tudo de que precisávamos
na cruz
c) A justificação pela fé: a
aceitação por Deus do pecador apenas através da confiança na obra vicária do
Salvador
d) Cristo como (3.24) como aquele que
cumpre a lei por ele e por nós e nos isenta de fazê-lo, além de oferecer-se em
nosso lugar para nos livrar da condenação que pesava sobre nós
e) Liberdade da condenação e para a
obediência, conduzindo-nos a fazer o que jamais poderíamos por nossa conta,
visto antes sermos escravos do pecado.
f) A graça de Deus revelada em seu
plano eterno e a execução do mesmo para salvar pecadores por intermédio do
Filho.
Em contra partida, o apóstolo bate de frente e corrige os seguinte
erros:
a) O outro evangelho, que pode se
aplicar a qualquer acréscimo ou distorção que se possa fazer ao Evangelho da Graça
b) Obras da lei: a pregação equivocada
de que Deus estabeleceu que sua lei fosse o caminho para a salvação do pecador.
c) Obras da carne: a revelação de que
o que o homem produz, naturalmente, são obras da carne; para produzir “obras do
Espírito” ele precisa estar e andar no Espírito
d) A incircuncisão do coração disfarçada
com a circuncisão na carne, o que podemos muito bem chamar de religiosidade
vazia ou religião falsa (hipocrisia).
e) A libertinagem, que é a maldosa
intenção de “baratear a graça” supondo fazer dela um meio de salvação sem a
consequente mudança de vida, perdendo de vista “as boas obras que Deus preparou
para que os santos andassem nelas” (Ef. 2).
CONCLUSÃO
Muitos tem considerado a carta aos gálatas um resumo de Romanos (as mesmas afirmações num espaço mais curto). Lutero, que foi profundamente impactado por ambos os escritos, é um bom guia pelo qual concluímos, para não corrermos riscos:
“Para Lutero o problema era o fato de
os falsos apóstolos estarem pregando o evangelho mais a lei. Eles estavam
corrompendo o ensino de Cristo pelo acréscimo de algo que era desnecessário.
Ser cristão é confiar na obra salvadora de Jesus Cristo. Acrescentar qualquer
coisa isso é duvidar do poder de Deus pela insinuação de essa confiança não é
suficiente.”
Como veremos, Paulo não poderia se
omitir diante de tal infâmia e falou com firmeza e convicção. E não era para
menos, já que um “outro evangelho” não pode salvar.

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