Gálatas 1.1-9
Introdução
Em diversos
aspectos, podemos dizer que esta é a carta mais forte do apóstolo, visto que,
enquanto em suas outras cartas Paulo trata de problemas gerais da igreja e,
quando necessário, foi bastante firme e, até ameaçador; em gálatas, o apóstolo
trata de um problema essencial que comprometia a própria natureza e existência
da comunidade do santos nesta terra e a glória de Deus.
E justamente em relação ao modo vigoroso e firme com que
Paulo iniciou esta epístola, foi que o comentarista William Hendriksen fez a
seguinte sugestão de como as coisas parecem ter acontecido:
“A atmosfera espiritual está carregada. Está quente e
sufocante. Ameaça um forte temporal. O céu está escurecendo. À distância
podem-se ver os relâmpagos; podem-se ouvir os trovões distantes. Enquanto se lê
cada linha dos versículos 1-5 (em nosso caso, de 1-9), à luz da época e do
propósito da carta, a turbulência atmosférica pode ser imediatamente detectada.
O apóstolo, apesar de estar sob pleno controle, pois está escrevendo sob a
direção do Espírito Santo, está, porém, fortemente agitado, profundamente
comovido. Seu coração e mente estão dominados por um misto de emoções. Contra os
corruptores ele tem severas denúncias que fluem de uma santa indignação. Paraos
destinatários (seus filhos espirituais), há uma veemente desaprovação e um
sincero desejo de que sejam restaurados. E para com Aquele que o chamou, há profunda
reverência e humilde gratidão.” (Comentário de Gálatas, William Hendriksens,
Ed. Cultura Cristã).
Assim, podemos identificar duas verdades decisivas sobre
o evangelho que justificam, com folga, a postura firme do apóstolo da Graça.
1 – A SINGULARIDADE
DO EVANGELHO
Certamente por causa da urgência e da seriedade do
assunto, como que querendo chegar logo ao ponto, esta é a introdução mais curta
de todas as cartas de Paulo, não tem nem mesmo oração e ações de graças, como
ele costuma fazer em todas as suas cartas.
Mas não nos apressemos em concluir que o apóstolo não
elaborou uma introdução à altura do assunto que ele iria tratar. Pelo contrário,
como veremos, a introdução é tão forte como o próprio conteúdo da carta como um
todo.
Como já foi dito, Paulo é bastante objetivo e já inicia
defendendo o seu apostolado (o chamado especial para falar em nome de Jesus
neste mundo), visto que, como temos afirmado, os falsos mestres e inimigos de
Deus e da igreja falavam muito mal de Paulo e questionavam seu chamado para ser
apostolo. Daí ele fazer questão de iniciar esta contundente carta com esta
defesa.
Mas ao fazer a defesa do seu chamado, Paulo já aponta
para o fato de que o evangelho é uma mensagem diferenciada, visto que os seus
mensageiros foram chamados pelo próprio Cristo, Jesus, e Deus-Pai. Mesmo tendo
chamado os onze enquanto esteve por aqui em carne, na sua soberania Jesus
também chamou Paulo e confiou-lhe a mensagem da salvação.
E confirmando ainda mais o quanto a boa notícia do
evangelho de Jesus é única neste mundo, o apóstolo ainda acrescenta que o
evangelho é a boa notícia do ressuscitado. É o evangelho daquele que venceu a
morte. Paulo faz questão de destacar deste o início
“o milagre dos milagres” (a pedra de toque do cristianismo, conforme os mais
entendidos).
Mas também faz parte do diferencial do evangelho ou de
sua singularidade “a graça e a paz” que o apóstolo oferece a seus leitores. Como
eu disse, mesmo sendo rápido na sua introdução, Paulo não deixa de tocar em
questões fundamentais como o favor imerecido de Deus para conosco (chamada
Graça) e o resultado disso que é a nossa reconciliação com o Criador, agora Pai
e, ainda, a reconciliação uns com outros, que nos faz igreja (chamada Paz).
Tudo isso, Deus vindo ao nosso encontro por meio de seus
mensageiros, o Filho vencendo morte e livrando-nos de sua maldição e a graça e
a paz do Pai e do Filho nos alcançando,
só são uma realidade por causa da cruz. Porque no Getsêmani Jesus se submeteu à
vontade soberana e graciosa do Pai. Porque Jesus não desistiu de trilhar a via
dolorosa. Porque ele se entregou pelos nossos pecados, para nos livrar deste
mundo mal, sendo esta a vontade do Pai.
O evangelho é singular, especialmente por isso. Pois como
pergunta Isaías, onde já se ouviu falar de um Deus que trabalha pelos seus
súditos, que nele esperam (Is. 64.4). Jesus cumpriu esta profecia ao dizer: “eu
não vim para ser servido, mas para servir e dar a minha vida em favor de muitos”.
Os demais deuses e as religiões exigem um monte de coisas de seus adeptos,
enquanto o Deus verdadeiro ofereceu o que tem de mais precioso: o seu único
filho, quer era um com Ele; daí o mesmo apóstolo dizer que “Deus estava em
Cristo, reconciliando consigo o mundo”.
Gálatas foi escrita para ressaltar a singularidade do
Evangelho do Pai e do Filho.
2 – A EXCLUSIVIDADE
DO EVANGELHO
O evangelho é, literalmente, boa notícia. Mais do que
isso, o evangelho é a grande e exultante notícia. Conforme o anjo, que a ouviu
da “boca” do próprio Deus, é “a boa nova de grande alegria” (Lc. 2.10). É a boa
nova do próprio Deus, Paulo faz questão de destacar em outros lugares. Como já
vimos logo atrás, o evangelho é a boa nova do que o próprio Criador, rei e
mantenedor do universo inteiro, fez por intermédio do seu próprio e único filho,
em favor de pequenos e míseros pecadores como nós a fim de nos arrancar deste
mundo mal.
Depois de pensar nessas coisas, eu mesmo me senti
pequeno e indigno diante de tal mensagem. Fiquei pensando no quanto eu mesmo
desconsidero e perco de vista a singularidade, a grandeza e a graciosidade do
evangelho. Como nos adverte hebreus, não podemos desprezar “tão grande salvação”
(Hb. 2.3)
Paulo não só não desprezava o evangelho que ele pregava,
como também no seu papel de pregador e apóstolo, ele não podia permitir que o
evangelho fosse desconsiderado e muito menos substituído por uma caricatura, um
evangelho corrompido.
Aliás, o que estava acontecendo nas regiões da galácia e
o que tem acontecido em grande escala também em nosso tempo e em nosso pais é
bem pior do que a idolatria dos pagãos, a imoralidade dos sem religião, os
vícios de muitos. Paulo tratou de forma muito mais condescendente os problemas de
relacionamento em Filipos, as questões de culto em Corinto e até a controvérsia
sobre comida oferecida a ídolos entre os coríntios. Mas quando a boa nova da salvação
em Cristo estava sendo comprometida, ele não podia capitular (assim como Lutero
se manteve firme diante da igreja católica séculos depois).
Conforme a reação de Paulo, o que estava acontecendo na
igreja dos nossos irmãos ali era uma corrupção, um distorção do evangelho da
graça de Cristo que Paulo tinha pregado para eles. Tal coisa não poderia ser, em
hipótese alguma, tolerada; daí o anátema ou maldição que Paulo lança sobre
aqueles que pregavam tal “evangelho corrompido.”
O evangelho é único, como
vimos, é diferenciado, é sobrenatural; é o plano gracioso de Deus em seu Filho
para salvador os pecadores do mundo mal e, isto, como Paulo já adianta, “para a
glória de Deus.”
Sendo
de Deus, por meio do Filho e da cruz e, por isso, decisivo para os pecadores, o
evangelho não possui rivais, concorrentes, não há nada neste mundo mesmo
remotamente semelhante, o evangelho vem dos céus e nada se compara a ele.
E também por isso, qualquer mudança ou acréscimo é não só
uma infidelidade, mas uma afronta e um desprezo a Deus e a sua graça imensurável.
Daí a força desta peque carta amada por Lutero e por outros.
Mas o apóstolo é tão reverente e cuidadoso com o
Evangelho, que ele aponta para o risco de ele mesmo ser infiel e vir a pregar
uma outra mensagem diferente daquela que ele havia anunciado. Então ele diz,
mesmo que alguém da confiança de vocês, como eu ou um de nós que vocês
conhecem; ou mesmo que algo sobrenatural aconteça, um negócio extraordinário
como um anjo se manifestando e lhes anunciar um outro evangelho, que seja
maldito... que Deus se volte com sua ira contra tal mensagem e tal pessoa.
E já adiantando o que vamos estudar com o apóstolo mais
tarde, Paulo adverte aos gálatas de que alguns estavam perturbando a igreja,
pervertendo a boa notícia de Cristo que ele lhes havia anunciado.
CONCLUSÃO
A princípio,
eu ensaiei colocar como título desta primeira parte de Gálatas o seguinte: “A
Singularidade, a exclusividade e a graciosidade do Evangelho”. Mas depois
percebi que não havia necessidade de acrescentar graciosidade, já que, além da
própria singularidade e exclusividade destacarem o conteúdo do evangelho, que é
gracioso, a própria palavra “Evangelho” aponta para a graciosidade de Deus a
nosso favor, visto que, tendo Cristo se entregado para nos arrancar deste mundo
mal, basta-nos apenas crer, confiar na boa nova que nos é anunciada e, assim,
recebermos o presente gracioso que nos é oferecido. Isto é fé.
Como os gálatas, “fomos chamados na
graça de Cristo” e precisamos estar firmes nesta verdade e também viver e
proclamar tal verdade graciosa e revolucionária, que nos salvou e pode salvar a
todo e qualquer pecador.
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